sábado, 19 de fevereiro de 2011

Azul

                O castanho dos olhos dela não combina com o azul dos olhos dele. Aliás, nada combina com o castanho dela. Mas ela não se importa: o castanho dela é avelã. Não é escuro, é antes como chocolate-leite. Terno e doce. O azul dele é o céu num dia de Verão, é apelativo. Não é aquele azul cortante, antes aquele que dá vontade de ter um pouco por perto. É amigável, suave, como algodão doce. Os olhos dele assemelham-se a um céu.
Ela é tão diferente dele...  Seja devido à confusão dela, o seu lado escuro que roça sempre a inocência e a ingenuidade, apesar dessas duas características não fazerem parte dela há muito tempo. Ela nunca soube porquê, mas ela sempre teve consciência do que a rodeava. Sentia-se capaz de compreender o mundo dos adultos desde pequena e sempre teve noção que a felicidade é… uma ilusão.
Para além de toda a escuridão que se insinua nela, ela também sempre soube que, no início, há sempre a promessa que vai ser diferente. Mas é sempre igual. Inícios diferentes com fins semelhantes… Porque o percurso pode ser diferente, mas o fim, esse é sempre igual. O fim implica corações partidos. Lágrimas derramadas. Dores psicológicas que custam mais a sarar que as físicas. Não que ela se importe. Não. É mesmo isso que a faz sentir-se viva. A consciência de que o mundo ainda lhe é capaz de infligir dor. A partir do momento em que a dor desaparecer, ela apenas pode supor que está a morrer. E ela não quer morrer. Não ainda, não enquanto parece que é capaz de grandes feitos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Término. Ou recomeço?

Ele era tão pesado para ela. Tão desesperadamente asfixiante. As necessidades dela eram suprimidas em função de tentar obter dele um aceno de satisfação. Uma busca incessante pelo seu afecto e aceitação… Elisa amou-o de uma maneira descontrolada. Mas nada era suficiente; ele nunca correspondia da maneira que ela desejava. E ela sabia que Duarte se sentia tão asfixiado como ela… Com tanta dificuldade em se mover como ela. Preso em areia movediça. Ele tentava-se esforçar, mas não via o porquê de o fazer. No fim, haveria sempre algum problema que traria por água os esforços dele em tentar parecer mais… humano. A humanidade de Duarte perdeu-se algures com a sua infância. Ou talvez nunca tenha tido essa característica, não se sabe. Para ela era estranho alguém não sentir compaixão da mesma maneira avassaladora que ela sentia mas… Elisa admitia que era de ímpetos e chamas violentas. Nada nela era calmo e sossegado e ela era uma fera difícil de domar.
Elisa sentia pena por a relação não ter resultado. Não porque ela ainda o amasse, não, ela sabia que aquele amor que vinha em tsunamis violentos já se tinha sumido e reduzido a uma pequena ondulação… Não o amava, não o queria, não o desejava sequer.
A base da relação deles, o desejo, sumiu-se. Ela via-o como ser humano que Duarte era, e não como objecto do seu desejo que ele tinha sido outrora. Com um misto de emoções, que Elisa nem sabia bem identificar, ela afirmava que tinha sido bom, enquanto tinha durado. Apesar de tudo, a relação não tinha durado até ela ter acabado. Infelizmente, eles já estavam acabados um pouco antes. Mas ela sabia que ele tinha consciência disso.
                Sentir. Ele sentir coisas. Só a ideia de que Duarte efectivamente tinha sentido dor, provoca-lhe tristeza. Elisa sempre sentira que ele era frágil. Nunca tinha sido intenção dela magoa-lo dessa forma. Elisa recordava-se do olhar dele de dor. E o olhar de dor dele, foi o olhar mais sincero, mais honesto, mais… cru que alguma vez ela tinha visto na vida. 
               O olhar mais cru. Não era falso, como por vezes ambos eram um com o outro. Era um olhar sem qualquer tipo de preparação… Duarte não esperava dela aquela atitude, não esperava que Elisa fosse capaz de terminar a fonte de prazer momentâneo “posso-te mostrar que te amo se me deixares”. Mas foi, e não se arrependeu… Pois ele permitiu-lhe subir um degrau na sua escadaria em busca da maturidade.
 “E… obrigado por isso. Espero que sejas feliz.” , murmurou ela.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Complexidade

            Sou um tornado de emoções complexas e difíceis de segurar.
Por vezes dou por mim à procura de um sítio onde eu possa ser eu própria. Nem sempre o encontro. E sempre que o encontro, o momento é sempre tão curto, essa felicidade de encontrar casa é tão efémera, que a tristeza assola imediatamente a minha alma.
Ultrapassar essa tristeza é difícil. Nem sempre quero sair da minha casca. Além disso, lutar custa. Lutar contra mim própria é uma batalha que eu nunca pensei que teria que travar… Até ao momento em que compreendi que eu estava danificada, estragada, inviável. Agora, tenho que me contornar todos os dias. Evitar os meus pequenos acessos de fúria, os meus pequenos pecados, as minhas pequenas dores. E sinto que pouca gente entende o esforço desumano que é necessário para inverter a minha ordem natural de processamento. Sinto que sou muito diferente dos outros. E que seria capaz de mais e melhor se não fosse tão… eu. Se fosse mais calma, mais despegada da vida.
                Sou capaz de tanta coisa. Inventar o meu mundo pequenino. Prender-me lá dentro e esconder-me de todas as coisas más. Queres-te juntar ao meu mundo? Construir uma cidade lá dentro, a partir de pensamentos bonitos e calmos. Evitar catástrofes pessoais, acalmar a minha ânsia de mais e mais. Tranquilidade.
                Mas eu sou tão instável. Sou como plasticina. Estou constantemente em mudança. Em plena metamorfose diária. As minhas emoções oscilam à medida que o dia avança, raramente consigo ter estabilidade emocional. Sou profunda, complicada e desconcertante. Os meus pensamentos são sempre retorcidos, divididos em metades e escondidos em locais diferentes do meu cérebro e coração. Estes meus dois órgãos, cruciais para a minha existência estão desfasados. Não agem como um só. O meu cérebro, que é o meu compasso racional, a minha melodia monótona que me acalma em momentos turbulentos, mantém-me à tona sempre que preciso. O meu coração está constantemente a ser colado e partido. Todos os dias parte-se, rasga-se e destrói-se e sempre que me recolho e afasto do foco de dor, tenho a minha Super-cola, e concerto esses bocadinhos que ficaram partidos. Mas não posso exigir tanto de mim, certo? E nem sempre consigo colar tudo direitinho. O resultado é um coração mal remendado que cede facilmente a tudo. E eu não me controlo lá muito bem. Sou criativa, e imatura. Tenho acessos de criatividade, em que mal me consigo controlar, preciso de escrever, sentir, tocar, ouvir, ler, estender-me para além dos meus limites físicos e sentir o que me rodeia. Sinto-me incapaz de lidar comigo própria e com os outros. Por vezes sinto necessidade de me afastar de mim própria, de sair de mim e apagar-me. Reinventar-me.
Preciso constantemente de ter alguém que me lembre que existe uma luz ao fundo do túnel. Por vezes tu estás lá, e ligas a luz no meio da minha escuridão. No entanto, às vezes, estás longe e não me consegues encontrar. Caio muito facilmente com a escuridão: eu tropeço e depois não me consigo levantar. Deixo-me estar, deitada na minha escuridão, onde o tempo passa devagar e a minha mente divaga pelos meus cantos obscuros sem medo. Um dia levanto-me sozinha, mas por enquanto, vou precisar que alguém ligue a luz e me dê a mão para levantar.
Uma boa analogia para as minhas quedas é o uso de saltos altos. É como se eu usasse saltos altos e não soubesse andar neles. Tropeço, caio e magoo-me no tornozelo. Dói um pouco levantar. Então, deixo-me estar no chão… Está escuro, ninguém consegue ver que caí, a não ser que eu grite, e gritar nem sempre é uma boa opção. Por isso, continuo em piloto automático. Desligo emoções e sentimentos. Faço o que é suposto fazer. E continuo. Até me encontrares e ligares a luz.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Quarto de hotel

Entrei na divisão daquele hotel. Estava escuro, pois as persianas estavam fechadas. A penumbra tornava o ambiente mais misterioso.
A cama de aspecto barato ocupava o centro do quarto. Insinuava-se como a rainha da divisão: lençóis brancos, coberta roxa. Nada sensual, mas no entanto incitava aos maiores pecados. A penumbra contribuía em grande parte para tal.
                Consigo imaginar-me a ter-te ali. Deitado. Beijar-te milimetricamente, ter o domínio. Sim, porque não passaria de um jogo de poder… Eu e tu, detentores das capacidades para atingir o êxtase. As minhas mãos no teu pescoço… Vês, como sou capaz de deter o poder?...
Posso imaginar mil e um cenários para aquele quarto… Mas vou-me resignar ao que tenho à minha frente. O mais simples. O mais enfadonho: estou apenas à procura de mais um local para pernoitar e poder passar mais uma noite.
                Recordo-me da noite em que me apercebi que te amava. Estava frio, mas tu és quente. Mantiveste-me quente. Beijavas-me com sentimento. Eu era capaz de sentir o teu amor a emanar de ti em forma de ondas, a entrar no meu corpo. A tentar curar-me. E a conseguir!
O meu coração partido de vários relacionamentos anteriores pesava. E tu, de certo modo, reestruturaste a minha alma. Deste-lhe a forma que outrora tivera e colaste o coração dilacerado. Não tinhas pressa, só entusiasmo. “Acho que te amo”, saiu dos meus lábios inconscientemente.
O meu cabelo desalinhado caia-me pela cara, tapando-me os olhos. Compus-me. “Sim, eu acho mesmo que te amo.” Fazia sentido, de certo modo: eu sentia-me quente por dentro, e tu eras a fonte de calor. Longe arrefecia, perto fervia. 
A janela do meu quarto fornecia a luz suficiente – penumbra. Apercebi-me então porque é que o quarto de hotel me trazia memórias.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pormenores.

O Sol tinha-se posto há pouco tempo. A escuridão iniciava o seu reinado diário; pouca luz restava e o lusco-fusco convidava à reflexão.
Ela estava sentada no lugar de passageiro, os três primos no lugar de trás. O silêncio imperava, a tia ia no lugar de condutor. O silêncio era tão pesado, como uma névoa. Com os phones nos ouvidos, ouvindo Depeche Mode, sentia-se um pouco melancólica. A rapariga contribuía para o silêncio. Não se manifestava. Ignorava, teletransportada para outro local onde aquele desastre familiar não tivesse realmente começado.
O silêncio. Tão angustiante por vezes, tão satisfatório por vezes. Ia passar o fim-de-semana com a tia e estava a dirigir-se para casa dela. O lusco-fusco não permitia grandes sensações visuais do exterior… Apenas a luz néon azul do rádio se destacava daquela pseudo-escuridão. E foi exactamente essa luz que atraiu a atenção dela. Um pormenor desinteressante. Mas foi a estação de rádio que lhe captou o olhar. Não era a do costume. Ela foi assim forçada a concluir que, de facto, estava tudo muito diferente. Apenas esse pormenor, esse detalhe minúsculo, desinteressante, vago e incapaz de sugerir alguma alteração forneceu-lhe muita informação.
A mudança de uma estação de rádio permitiu à rapariga fazer uma avaliação de personalidade da tia. É como se fosse uma afirmação de mudança; como se estivesse a gritar a plenos pulmões que renegava a mulher de família que fora outrora e fosse antes a adolescente que sempre quisera explorar o mundo. É trocar o certo pelo incerto; o certo pelo errado. Trocar o socialmente aceitável pelo contraditório. Deixar de ouvir a rádio da sua infância, que tocava os êxitos dos anos 70 e 80 e trocá-la por aquela rádio jovem que passa os últimos êxitos pop.
A tia já não era bem a tia dela. Relativamente aos sentimentos que ela nutria pela tia… Ela não sabia bem que sentimentos eram. Ela raramente a via, de qualquer modo. A tia nunca ligava. Nunca sequer mandava mensagem. E depois de tudo… Até era melhor assim. É preferível o afastamento a uma aproximação falsa e hipócrita, sem qualquer razão de ser. Ela já não era a tia dela. Era apenas a mulher esguia, que pintava o cabelo de cores berrantes com complexos de adolescente.

Ideias viradas do avesso

Senti necessidade de escrever um blog, não para exprimir a minha frustração diária, antes para poder partilhar um pouco das minhas pseudo-ficções. Sempre me senti atraída pela escrita e pelo seu poder; desde cedo que quis pertencer a este grupo. É por isso que criei o blog. Para poder partilhar com o mundo as minhas ficções, que não passam disso mesmo, ficções. Ideias cozinhadas na minha mente e transpostas para um teclado. Por vezes para papel. De qualquer modo, sempre prontas a servirem de terapia para mim.