domingo, 6 de fevereiro de 2011

Pormenores.

O Sol tinha-se posto há pouco tempo. A escuridão iniciava o seu reinado diário; pouca luz restava e o lusco-fusco convidava à reflexão.
Ela estava sentada no lugar de passageiro, os três primos no lugar de trás. O silêncio imperava, a tia ia no lugar de condutor. O silêncio era tão pesado, como uma névoa. Com os phones nos ouvidos, ouvindo Depeche Mode, sentia-se um pouco melancólica. A rapariga contribuía para o silêncio. Não se manifestava. Ignorava, teletransportada para outro local onde aquele desastre familiar não tivesse realmente começado.
O silêncio. Tão angustiante por vezes, tão satisfatório por vezes. Ia passar o fim-de-semana com a tia e estava a dirigir-se para casa dela. O lusco-fusco não permitia grandes sensações visuais do exterior… Apenas a luz néon azul do rádio se destacava daquela pseudo-escuridão. E foi exactamente essa luz que atraiu a atenção dela. Um pormenor desinteressante. Mas foi a estação de rádio que lhe captou o olhar. Não era a do costume. Ela foi assim forçada a concluir que, de facto, estava tudo muito diferente. Apenas esse pormenor, esse detalhe minúsculo, desinteressante, vago e incapaz de sugerir alguma alteração forneceu-lhe muita informação.
A mudança de uma estação de rádio permitiu à rapariga fazer uma avaliação de personalidade da tia. É como se fosse uma afirmação de mudança; como se estivesse a gritar a plenos pulmões que renegava a mulher de família que fora outrora e fosse antes a adolescente que sempre quisera explorar o mundo. É trocar o certo pelo incerto; o certo pelo errado. Trocar o socialmente aceitável pelo contraditório. Deixar de ouvir a rádio da sua infância, que tocava os êxitos dos anos 70 e 80 e trocá-la por aquela rádio jovem que passa os últimos êxitos pop.
A tia já não era bem a tia dela. Relativamente aos sentimentos que ela nutria pela tia… Ela não sabia bem que sentimentos eram. Ela raramente a via, de qualquer modo. A tia nunca ligava. Nunca sequer mandava mensagem. E depois de tudo… Até era melhor assim. É preferível o afastamento a uma aproximação falsa e hipócrita, sem qualquer razão de ser. Ela já não era a tia dela. Era apenas a mulher esguia, que pintava o cabelo de cores berrantes com complexos de adolescente.

3 comentários:

  1. Tanta coisa por trás de cada frase. Um blog promissor ;) liberta mais deste teu talento, os leitores agradecem ^^

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  2. Não tenho palavras.. não mesmo, escreves tão bem, tanto sentimento nestas palavras...continua..
    e sim, é mesmo uma terapia
    ly!<3

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  3. Quando o manto de Morfeus paira sobre o ido reinado diurno de Apolo e envolve tudo quanto beijo no seu traiçoeiro sono, tudo o quanto é estranho pode acontecer.

    Só Apolo trás com ele a manhã e a normalidade de volta e torna o abraço falso de Morfeus em nada mais que uma memória ida.

    Continua Leão.*

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